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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

Glamour blasé

Um título afrescalhado, admita-se. Coisas do passado, inserir notações em outra língua? Os anglosaxões reproduzindo complexas palavras alemãs, como Kindergarten para o jardim de infância e Hinterland para o simples interior do país. Ou até o nefasto Apartheid, para racismo. A língua de Goethe ainda agita elocubrações intelectualóides por lá. Os francofônicos adoram uns termos em inglês, jogam seu lazer de fim-de-semana ao Le Weekend... Os teutões amam afrancesar e vez por outra os textos trazem Glamour, blasé, Paté und Portemonnaie.

Admiro nossos irmãos portuguêses, não se importam muito com isto. Lá é na língua dos homens, dos locais. Não usam breque, pisam no freio mesmo. Viajam a Francoforte e Honguecongue... Citam Nova Iorque. Por aqui já usam Nova York, um híbrido interessante. Coisas da língua, evolução, organismo vivo.

Mas voltando ao título, lembrei de fato curioso. Um grande colunista de jornal, diria eu que hoje até uma referência potente no cenário de indignação ao estado da nação e os rumos da república sindical instalada, certa vez em uma de suas tiradas semanais indignava-se com o chato assédio quando ia a lugares, digamos, públicos. Que as pessoas se aproximavam, perguntavam opiniões, endossavam conceitos emitidos, coisa e tal. Descreveu do aborrecimento, que às vezes necessitava sossego, mas no fim aceitava como algo similar ao "preço da paz". Achei um tanto, à inglesa, snobbish.

Um mes após ler o desabafo, estava eu em aeroporto do Nordeste esperando vôo para Sumpa (ou Sampa, recentemente advertido a tal) quando a figura, também presença na TV, surge a esperar vôo. Por sinal o mesmo. No saguão de embarque absolutamente ninguém se interessou, no vôo menos ainda. Nenhum contato para nada, excetuada a diligente aeromoça, a oferecer a horrível barrinha de sei-lá-o-quê.

Fiquei pensando talvez, no fundo, ser o desejo: o público circunstante a admirar sua arte, sua boa forma de falar, seu papel imponente na TV com grisalho cabelão esvoaçante, a discorrer sobre assuntos sérios, a ponto de irritar os detentores do poder. Um desejo de glamour blasé. Mas a realidade é outra: excetuados cantores e atores de imensa popularidade, um ou outro político e famosos jogadores de futebol, os demais se tornam ilustres incógnitos. Como nós.

Hoje leio outro, mais velho e duramente criticado por ter aceitado uma reparação por dizer-se perseguido pela ditadura militar, um caso controverso. Reparação boa, talvez um tanto acima do merecido, se comparado ao que deveria ser dado àqueles de fato tomadores das bordoadas dos gorilas. Mas, lá ele, dispõe-se a ouvir, com desculpas, conversas alheias em restaurantes, criticando o uso do celular. Um desabafo da impaciência, um tanto arrogante achei. Falta do escrever, acontece.

São assim.

Nem sempre o desejado é o real ocorrido...

Comentários (clique para comentar)

Hermógenes de Castro & Mello - 29/08/2008 (16:08)

Talvez sem chopes ele seja meio chato mesmo... Era o caso no Nordeste. Eu também sou chato sem meus uísques; enfim: SOMOS ASSIM! Belo texto seu, caro Marcos; um privilégio tê-lo como leitor.

Marcos - 29/08/2008 (15:08)

Caro Hermógenes; Outro dia mesmo vi o citado colunista e apresentador eventual de comentários críticos na TV em um restaurante. Acompanhado de outro conhecido diretor de cinema e teatro, cinema especialmente. Ambos com suas respectivas. E, de fato, ao entramos eu e meus acompanhantes no restaurante, reconheço-o, de costas, pois estava, de pé, a responder e comentar determinado artigo seu que os "burgueses" à mesa queriam saber se... ia ser escrito ou não. Pais assassinos ou não, ele deveria manifestar sua indignação com o caso, seja ela de que tipo fosse. Devo dizer: ele estava - talvez por influência dos inúmeros chopes, à época ainda "liberados" - respondendo gentilmente às questões, conversando alegremente com os papagaios de pirata que o interpelaram em seu caminho do toalete de volta à sua mesa. Eu passei, fui até a mesa que me havia sido designada, passei também pelo diretor de cinema que o acompanhava, sem quaisquer cumprimentos. Pensei em não atrapalhar o agradável convescote dos amigos que bebiam alegremente, especialmente nosso personagem. Bem, fui mais rápido em meu almoço, e ao sair não tive como não cumprimentar, ainda que com o tal diretor eu tivesse tido há alguns anos um grave desentendimento: por culpa dele, exclusiva dele, claro. Surpreendentemente, um reencontro agradável, cheio de elogios mútuos,de piadas, de brincadeiras, lembranças de fatos curiosos e divertidos do passado, etc. Pois ao sair, esperando o carro fora do restaurante, não é que vem correndo o alegre colunista, dizendo que à mesa não havia me reconhecido, que só agora sabia que eu era eu, e que... tinha de me agradecer, uma vez que eu salvara sua vida. Vira-me, em meus únicos 15 segundos de fama, atente bem, segundos, num Jornal Nacional, em matéria que falava das qualidade de um aparelho chamado CPAP (continuous pressure air pumping), um negócio horrível e maravilhoso que uso para dormir, de modo a evitar apnéias do sono. E com o maravilhoso efeito social colateral de evitar roncos! Ou seja, somos assim - o ilustre incógnito para uns, que se porta como tiete do mais ilustre dos ilustres dos incógnitos. Porque somos assim, humanos, e amigos nos sentimos melhor.

b. picchi - 29/08/2008 (15:08)

um baita dum chato, ôx !