Foto do Hermógenes

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

O Enigma de Kaspar Hauser, revelações.

Curioso filme, esta interessante obra de Werner Herzog. Modesto na apresentação, os atores um tanto mambembes, o principal péssimo, entretanto no conjunto bom. Coisa de 1974, em locação penso próxima de onde ocorreu a intrigante história de Kaspar Hauser, um jovem de 16 anos, que surge em uma vila; mal fala. Diz quer ser apenas cavaleiro, como o pai e vem de Augsburg.

O fenômeno tomou conta do imaginário coletivo e tornou-se frisson à época, sendo a torrente de especulações algo a fluir até nossos tempos, com a intrigante película dos anos setenta. Vale a pena, divirtam-se.

O que sugere toda a polêmica em torno de Kaspar Hauser?

Rejeição, por algum motivo, pela família. Quando adulto e instruído, Kaspar Hauser conta era mantido preso, acorrentado, em um porão. Recebia pão e água. Não lhe era permitido andar. Cresceu assim, isolado.

Em nossos tempos inimaginável? Talvez não. Depois dos casos austríacos, onde pais ou sequestradores mantiveram filhos por quase 18 e 24 anos presos, respectivamente, com requintes de crueldade e prática doentia de incesto não consentido, em algum ponto imagino a sociedade ser misteriosa em seu comportamento, onde pais maltratam ou rejeitam filhos. Ou o reverso da moeda, digladiarem-se por eles, menos mal, penso eu.

Voltando ao caso Hauser, o menino ninguém queria, posteriormente é fruto de experiência de "salvá-lo", procurando as pessoas da vila ajudar onde possível, do policial ao nobilizado ancião de boa cultura. O estrago, aparentemente, já está feito; morre com estranhos ferimentos especula-se sejam auto-infligidos.

A incompreensão, por quem escreve, dos atos do abandono é perturbadora. Inconcebíveis, na minha simplista apreciação dos fatos. Uma forma terrível de maus tratos; e talvez o mais cruel: a rejeição.

Raro porém.

O "enigma" que Werner Herzog (ou a versão do título em português) sugere é de fato enigma. Tanto no filme, quanto na realidade. O mais nos corta o coração, a nós ditos "normais", é observar o abandono do incapaz, sejam crianças, pessoas mais velhas, animais pequenos, seres feridos ou defeituosos, sem usar de correção política (a forma idiota de chamar alguém de "portador de deficiência", remete à odiosa burocracia oficial e suas falácias ).

Por um mecanismo de incomum extrema frieza, alguns humanos não se comovem com os fatos, penso partes do nosso instinto de sobrevivência: esta ajuda ao ser, por forma, apresentação ou idade. Falhas pontuais, ainda bem.

Ou psicose?

Não sei, pouco entendo e o enigma para mim é mais enigma, quando observo ou leio sobre o assunto. E morro de pena, destes meninos ninguém quer, como Kaspar Hauser.



Agora pouco observei a partida do meu filho para pegar um vôo de volta à cidade e escola. Momentos duros, emotivos; pergunto de dinheiro, recomendo trancar portas, ligar para as irmãs. Já é rapaz, porém para nós nunca o são, não é? Quem o conduz até o aeroporto é o melhor motorista conheço, meu amigo Neilton. Interage com o automóvel como se fosse parte de si. Ao seu lado o filho, silencioso como o pai, observando o que faz, como liga, prepara o carro, o ar condicionado e bancos ajustados. Se entendem por olhares, pela confiança: pai e filho. Sem rejeição, com tolerância. O homem é terrivelmente gago, prefere o silêncio a não expor a deficiência. O filho acompanha sem o ser, portanto pouco falam. Respeito e compreensão. Como deveria ser. Nem sempre é. Conheci melhor meu pai, um pouco, acredito, pois também me era enigma, no seu último ano de vida, onde, me parece, descobriu que eu era adulto e poderia ser considerado como tal, não boboca criança como antes tratava. Foi pouco tempo, mas suficiente. Somos assim.

O curioso filme de Werner Herzog, 1974.

Comentários (clique para comentar)

Seja o primeiro a comentar este artigo.