A cadeira está vazia
Sentado na varanda da casa da sogra em Busca Vida, em linda praia alguns quilômetros ao norte de Salvador, no silêncio da manhã, vendo o (detalhe para o chavão...) infinito oceano azul (nem infinito e tampouco azul...), penso nos afastamos de alguma forma lógica do belo, a tornar distante e inalcançável para, (por que seria?), deixá-lo mais desejável.
Como comer caviar todos os dias; ficaria sem graça e no caso não apreciar nunca, nem saberia onde conseguir nestas plagas tropicanas.
Talvez a razão enaltecermos tanto o bonito e nos recolhermos no menos, no feioso mundano; e às vezes tétrico. Passar férias em Salvador, todavia morar em São Paulo, aqui entre nós: lugar de aspecto discutível, para não dizer horrendo. Usar roupas bonitas em dias de festa, entretanto no cotidiano marchar em pantalonas à gringa, de tecido manchado. Comer delicado espaguete e frutos do mar com tinta de lula, ao fino vinho chileno e afundar no feijão e arroz "ao" bife de alcatra, no cinzento dia-a-dia.
E aconchegado aqui, olhando para este oceano finito e verde escuro (me perdoando o leitor pelo daltonismo), lembrei do amigo sogro, onde nesta mesma sentada tecíamos longos papos sobre isto e aquilo, a respeito de Deus e o mundo, de Stalin à irmã Dulce. E ríamos, era sujeito alegre, otimista. Daqueles homens bons e portanto belos, mas raros. Até nisto a natureza é parcimoniosa.
Curiosamente sentava sempre de costas para o oceano, que todos tanto apreciam por lá. Dizia ser bonito demais para ele, preferia olhar a terra, seus coqueiros, pássaros, homens, mulheres, bichos e outras imperfeições, assim muitíssimo mais interessantes que o monótono mar.
Irônico, por isto nos entendíamos, comentava a beleza ser até motivo de discriminação (é de fato tão irônico?), contando-me, a solicitar delicado pedido de sigilo que descarto agora pelo tempo decorrido desde sua ida aos braços de Tupã, a adorada esposa ser vítima deste perdoável infortúnio, discriminando as pessoas pelo grau de esbeltez e finesse nos traços, beleza enfim, dando notas, e revelando suas preferências por isto. Resguardando-se e afastando-se dos feios e da feiúra. A pontuar a distância entre boca e nariz e criticar o perímetro das barrigas de chope, dos estranhos seios "de cabra" ao insôsso de moças com aspecto "macarrão sem molho"; compridas, branquelas... . Pois, é. Chiste do bom homem, nada sério; infelizmente, a cadeira na varanda está vazia.
E Hollywood, que por beleza retratada até hoje comove milhões, me fez lembrar disto, quando ontem à noite, acompanhado de copinho (!) de escotche, assisti a certo clássico, o último da Marilyn Monroe. "Os Desajustados". Imagino do diretor John Houston, estrelando envelhecido Clark Gable e cara de cachaceiro, metido a caubói do asfalto, secundando o sensível peão de rodeios Montgomery Clift, todos apaixonados pela loirinha, sempre bela, M. Monroe. E seu olhar de soneca, boca de morangos com açúcar, andar de endoidar até o velho Gable. No papel em certo ponto detona: "Meu Deus, como você é bonita, a mais bonita que já vi!".
Penso até para o ator, pelo olhar faz ao dizê-lo, a realidade e ficção certamente naquele momento se embaralharam.
Somos assim, queremos beleza. Mas não sempre.