Perguntas e meias respostas
Nem tudo se resolve com anos de psicanálise, me parece. Apesar da dita cura, que aplacou a mente e trouxe um pouco de prazer na escrita, no lazer, fim do trabalho aos sábados, mais disposição em dar uns modestos giros em fins-de-semana, ainda sou talvez fruto do meio. Em que vivi e cresci. Me aparenta algumas coisas são terrivelmente entranhadas e quase impossíveis de solucionar.
Observo os companheiros da minha idade e vejo suas angústias tão similares às minhas; até modestamente tento ajudar. Nenhum se salvou. Todos nós ligados a algum álcool diário, excessos gástricos, cigarros alguns, sedentarismo. Relatos de amigos com seus eternos remédios para dormir e dificuldades de ir ao vaso, outros indispostos no casamento, no trabalho, fumando coisas fortes, tomando enormes caipirinhas e por aí vai. Aqueles com seus 130 quilos de ansiedade incapacitados de trabalhar por eternos terríveis medos de errar, ou em menores 100 Kg, viciados em sorvete de 2 litros por dia. Até a depender de pais octogenários aposentados e seus modestos aportes; a falar em terminações, "perdedores" se consideram.
Alguns com seus anti-depressivos, soníferos pesados e calmantes. E uns outros poucos, coitados, hipocondríacos com as gavetas cheias de remédios, incapazes de algum lazer ou férias. Lexotan pela manhã e pela noite.
Penso somos uma geração cobrada, porém desprezada pela anterior e pelos iguais. O lema dos anos 70 e 80 era vencer, ser melhor, ganhar muito. Ter boa família, ser honesto, probo, fiel e alegre. Os pais, heroicamente, vieram do nada, passaram por relatados sofrimentos horríveis. Podiam errar, desculpava-se; e com conjunturas melhores e talvez menos competição fizeram vidas econômicas mais saudáveis.
Nós não chegamos lá. É o marco da geração nossa, os "loosers". Nossos pais e mães sempre foram considerados melhores, até em seu próprio discurso e no nosso, mesmo que não tenham sido. A manterem-se os mitos, nós em alguns casos encerrando os próprios esforços de "melhor-e-maior". Vejo a mim, jamais H. pôde admitir ter feito mais, pois me prendo ao discurso "não fundei, não criei, não imigrei, não sofri as loucuras de sociedades".
Somos da angustiada geração onde alguns poucos "deram sorte", outros "receberam de mão beijada", todos "podiam estudar porque os pais garantiam" e "não precisavam trabalhar jovens", etc.
E por esta frustração imaginada homens se viciam. De geração em geração, pois estes escritos não são nada novos. Aqueles pouco disto necessitam, e por conseqüência felizes, que o digam. Sou talvez fruto de convívio com outro grupo frustrado: meu pai fumante, mãe fumante, sedentários, obesa ela, "workaholic" ele, desinteressada ela. Não os culpo, eram assim por ene razões. Observei; e devo ter absorvido com mais intensidade o modus vivendi terrível.
Existia livro de auto-ajuda (por que tantos publicados nesta nossa geração?) e o título perguntava: "Se sou criatura inteligente e preparada, por que como e bebo tanto?". Compêndio bobo com recomendações de não faça isto, não faça aquilo, seja "smart". Sabemos todos nossa vida não é saudável, o que ingerimos (sempre mais a admitir) nos matará, até de angústia. Que caminhar é bom, ioga faz bem, comer verduras, não beber, fumar jamais, não se irritar. Tudo compreendemos, tudo sabemos.
Porém lá no último malvado neurônio de nossas conturbadas mentes, um detonador dispara que bom uísque é o elixir confortante, a fumaça soprada pelas narinas o gozo do dragão; e caminhar suando, ora, se posso apreciar a vida confortavelmente sentado, revolvendo pensamentos?
Every evening when I am home/ I sit here in this chair/ Pour myself some whisky/ Watch my trouble vanish into the air
Rolling, rolling/ Ain´t gonna worry no more
Há até leis contra isto, basta ver a tal atual Lei Seca, tão aplaudida (e tão hipócrita...). A complicação legal para conseguir calmantes dos amigos que disto se servem. Infelizmente não funciona. Não sei bem o porquê.
Lamentavelmente, reconheço, não é bom sermos assim.
P.S. A minha consciência lhes garanto ruge mais alto que suas perguntas, por que faço isto e aquilo, a razão dos meus vícios e fraquezas. Acordo pensando em tudo descartar, mandar aos esgotos, derramar na pia, queimar. À noite o sutil invisível Mefisto (Goethe pelo visto conhecia bem o assunto...) se instala com seus fluidos e garante o sono reparador. Como diz o grande psicanalista Jairo Gerbase: importante é o bom dormir, mesmo um tanto químico. Não sei, ele é o técnico.