Dear old Ernie C. G.
Quando menino, o pai costumava nos carregar às coisas imaginava interessariam, por exemplo grandes aviões. E os grandes aviões pousavam em Campinas, no aeroporto de Viracopos.
Havia sido contatado por empresa americana a vender máquinas para a produção de mantas plásticas, revestimentos de assentos de automóveis. E o dono resolveu vir ao país, a conhecer o potencial, principalmente da crescente indústria automobilística brasileira.
E seguimos buscar o tal em Viracopos. A observar encantando o gigantesco 707 da saudosa Pan American trazer a turma de Noviiorque.
De idades semelhantes, logo se estabeleceu certa grande empatia entre o Mr. G, adiante Ernest e depois Ernie, com nosso Horst. Ambos oficiais de forças aéreas em lados opostos durante o grande conflito dos anos 1940, com boas histórias a contar. E ambos não nascidos onde agora viviam. Afinidades.
Meu velho havia passado temporada com bolsa em Cambridge na Inglaterra, forma inglesa de ganhar para si estudantes alemães no pós-guerra e ex-participantes do conflito, dai a intimidade na língua de Shakespeare. Isso fez a amizade crescer a cada dia.
Ernie era destaque em seu adotado Wisconsin, onde se naturalizara gringo abandonando a nacionalidade canadense. Pai de sete filhos, devoto católico pela origem italiana.
Interessado na grande São Paulo, a cidade não "pára de crescer", a chamada da época. E ambos se entenderam, clientes compraram máquinas e foi tudo muito bem.
Adiante até abriu filial por aqui. Todavia meu pai percebeu em algum momento não anunciavam mais as visitas do Ernie, pois eram de tal frequência, a estranhar o demasiado interesse nessa a rigor modesta operação latino-americana.
O mistério se desfez rapidamente ao americano em jantar com meu pai e certa senhora contratada como intérprete a ajudar com a língua portuguesa, confessar a moça não ser só sua tradutora e essa a razão suas viagens tão frequentes.
Apaixonado.
O alemão inimigo do passado certamente saberia guardar o segredo, afinal palavras de oficiais valiam por ambos os lados. E de fato assim ocorreu.
Adiante meu pai não podia mais ajudar na representação, a tocar seu próprio negócio. Porém manteve a amizade. Precocemente falecido o amigo alemão, Ernie nos enviou um telegrama de pêsames comovente.
Lembrei desses fatos observando hoje a total falta de educação crescente, e perigosa, reinante no trânsito brasileiro.
E nessas conversas entre eles, por volta de 1970, Ernie detonou sem eu jamais esquecer:
"Brasileiros são o povo mais charmoso e encantador conheço. Do garçom ao dono do restaurante, da recepcionista ao diretor do sindicato das indústrias. Porém perdem tudo isso quando sentam atrás do volante de um carro. Tornam-se animais em fúria!"
Pois é: somos assim!
Curioso procurei na Internet algo sobre o amigo gringo e vejo faleceu aos 98 anos em 2021. Sua empresa não mais existe, talvez vendida e com outro nome por aí.