Metamorfose corrupta
Quando certa manhã Hermó Mello acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num fiscal do trabalho monstruoso.
Estava deitado sobre suas costas com uma mochila cheia de valores e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, branco, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha.
Suas pernas, lastimavelmente gordas em comparação com o volume do resto do corpo, suavam desamparadas diante dos seus olhos.
— O que aconteceu comigo? — pensou.
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto de corrupto só que um pouco grande demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava um mostruário de ameaçadoras notificações oficiais contra empresas, pendia a imagem que ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado numa bela moldura dourada.
Representava uma dama de biquíni fio dental que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador um pesado casaco de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.
O olhar de Hermó dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo — ouviam-se gotas de chuva batendo no zinco do parapeito — deixou-o inteiramente melancólico.
— Que tal se eu continuasse dormindo mais um pouco e esquecesse toda minha corrupção? — pensou, mas isso era completamente irrealizável, pois estava habituado a dormir do lado direito e no seu estado atual não conseguia se colocar nessa posição.
Qualquer que fosse a força com que se jogava para o lado direito balançava sempre de volta à postura de costas, pela pesada mochila de dinheiro. Tentou isso umas cem vezes, fechando os olhos para não ter de enxergar as pernas desordenadamente agitadas, e só desistiu quando começou a sentir do lado uma dor ainda nunca experimentada, leve e surda.
Era uma das maquininhas de cartão da conta do seu laranja no bolso do pijama.