Vovó, 1894.
Hoje 14 agosto minha avó faria 130 anos. Como ninguém faz 130 anos, obviamente conclui-se a criatura não ser mais criatura.
Ela se despediu desse mundo cruel em 1988, aos 94. Em lar de idosos, por onde chamava os enfermeiros de lacaios da Gestapo! Provecta idade, certamente.
Nascida em 1894 em vilarejo sem energia elétrica no norte da Alemanha, a imaginar quando o Titanic enfrentou o iceberg, e perdeu, já era moçoila de 18 anos.
E por aqui em 1894 jovem república, o imperador já morto após escorraçado à velha Europa, como merecem os imperadores.
Aos 28, tardiamente solteira, seduziu rapazote de 17 de quem teve um único filho, meu pai.
Bastardo ou ilegítimo, sempre havia feias denominações para essas pessoas. Porém, concluo, era desejo dela ser mãe, mas não ser esposa. Pouco afeita aos apelos masculinos, permaneceu solteira pelo resto da vida. Com muitas amigas!
Quando me preparava a nascer com Juscelino presidente, emigrou para cá, a ajudar minha mãe. Mas o auxílio virou guerra. E já sexagenária retornou à Alemanha no momento percebeu o neto estava bem, apesar quase surgir natimorto.
Em agosto sempre recordo da senhora, talvez o maior exemplo de pragmatismo conheci. De fazer conservas por não confiar em latas, a caminhar todos os dias, mesmo com artrite progressiva, para não perder a elasticidade. Ir a aulas de montagem de marionetes na "universidade do povo" em sua cidade eleita de nome complexo; Braunschweig.
E dar apoio incondicional aos parentes perturbados do vilarejo de origem, mesmos esses a censurarem duramente por optar ser mãe solteira.
A nós netos sempre tratou com grande carinho, quando éramos deportados fazer companhia a ela, por ordem do pai. A aprender a língua de Goethe na convivência longa do inverno de lá, fazer amigos e conhecer o país, adiante até escolhido como lar por um de nós.
Viva a vovó, morta onde estiver. Feliz aniversário, minha velha!