Erich Kästner
“Chamava-se senhorita Jaenichen, moradora da passagem Turner, em cima de um boteco, num quarto desolador e não conseguia cuidar dos cabelos, porque era deficiente física. Suas mãos, mas também os pés, sim, o corpo todo, tudo era curvo, inclinado e torto. Ninguém cuidava da infeliz pessoa. Assim mancava, apoiada por um lado em muleta curta e longa pelo outro, com um pesado cesto sobre as costas, seguindo pelas trilhas nos campos. Visitava os agricultores e vendia artigos de armarinho: botões, fitas, alfinetes de segurança, cadarços, aventais, pedras de amolar, acendedores de gás, linha de cozer, lã para tricô, toalhinhas de crochê, canivetes, lápis e muitos outros. E como a compensar seu aspecto sofrível, a coitadinha fazia questão de ter os cabelos bem arrumados.
Pela manhã, por volta das seis horas minha mãe saía de casa. Muitas vezes eu a acompanhava, como se assim a ela fosse mais leve tolerar o quarto mofado e o aspecto daquela tristonha criatura. Meia hora após, ajudávamos a senhora a equilibrar sobre as costas o pesado cesto, com suas largas cintas de couro. E então ela quase rastejava e balançava, sobre as muletas desiguais, à estação ferroviária Neustädter, onde com trens de subúrbio ia às vilas. Balançava, encurvada e oscilando para ambos os lados, seguindo o aterro da linha do trem, em direção ao frescor da manhã e necessitava dez vezes mais tempo para isso do que outras pessoas, que a ultrapassavam. Parecia estar marcando passo, sem seguir adiante.”
Um pequeno trecho, vertido por quem aqui se digladia com as serpentes ou lentes literárias...
Não sei se foi traduzido para nossa língua; este livro com o título Quando eu era um meninote de Erich Kästner é como os homens deveriam escrever.
Sincero, com humor, sem falseadas apresentações de fatos. Diz o que era; e como foi sua infância. Suas dificuldades, com grande amor pela mãe, o indisfarçável porém ameno desprezo pelo pai. Do cotidiano: divertido ou triste. Entretanto um livro adorável, com passagens em que cada homem adulto (sim, é livro escrito por um homem, lamento pelas senhoras) pode-se mirar e dizer:
“Hã, acontece assim mesmo!”.
Enfim, que ao terminar-se só permite exclamar:
Somos assim!