Entre a literatura, emancipação e a terra
Por Erica Silva Teixeira, de Salvador
Hoje, 1/5/2020, é o Dia da Literatura Brasileira. Coincidência ou não, também é o Dia do Trabalho...
Desde pequena, escuto de Patricio uma frase muito interessante que diz assim: “quem do pouco se admira, corre o mundo que há de ver”. Na verdade, na verdade, essa frase é quase um presente geracional: foi passada de meu bisavô para meu avô, dele para meu pai … até chegar aqui.
Nela, se vocês puderem observar, há uma mensagem oculta muito simbólica: a de que é fundamental viver encantado. A literatura tem exatamente esse papel em minha vida: ela me impede de perder o encantamento.
A literatura brasileira é um patrimônio histórico. Histórico, cultural, político e universal. Tive a sorte de descobri-la muito cedo e, exatamente por isso, encontro na escrita um espaço para compartilhar com vocês todo esse meu encantamento.
A literatura é o que nos permite jamais perder a ternura pela vida. Nos abre portas, derruba muros, escancara nossa ignorância e contradições, mas nos permite diminuir um pouco do infinito espaço que existem entre nós, reles mortais, e o conhecimento.
Ela também nos faz revisitar sentimentos, sensações (quem nunca se pegou imaginando o o cheiro “amadeirado com notas de jasmin e leve toque de terra molhada no inverno” ?), lembranças, insatisfações e tantos outros sentimentos quanto a capacidade humana conseguir elencar. A cada autor descoberto, um novo confronto. A escrita tem esse poder: escancara nossas incoerências e, especial, revela nossos desejos mais ocultos (aqueles que sequer precisam ser ditos para se fazerem presentes entre as brincadeiras que os autores fazem com palavras).
Machado de Assis, Monteiro Lobato, José de Alencar, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Rodrigues, João Guimarães Rosa, Caio Fernando Abreu, Paulo Coelho, Cecília Meireles, Raduam Nassar, Lima Barreto, Clarice Lispector, Cora Coralina, Gregório de Mattos … quantos infinitos nomes eu poderia citar e saber que cada um deles me permitiu um novo aprendizado ? Todos eles, ao seu modo, me ensinaram como se fazer presente sem que precissemos estar em um determinado lugar.
Mas, de todos esses autores, não poderia deixar de falar de Euclides José Teixeira Neto. Aos que não sabem, por um acaso do destino, correm em nossas veias o mesmo sangue. E aqui, não escrevo como neta, mas como leitora. Esse sempre será o meu lugar de fala.
Homem da terra, que fez de sua existência um instrumento de emancipação do trabalhador rural, “Dr. Ocride”, para além de seu incontestável apreço pelo conhecimento, deixou a sua marca na literatura baiana e brasileira de uma forma muito genuína: fez com que refletíssemos, enquanto sociedade, o quanto dependemos do chão e de quem dele produz e vive. Treze obras, infinitas crônicas, tantos outros escritos e uma atuação preponderante nos projetos de Reforma Agrária da Bahia e do Brasil.
Mais que isso: seu caminho, que inevitavelmente se cruzou com a política -porque sim, ela teve sorte de compor a história dele em plena Ditadura Militar, foi marcado pela luta por um Brasil menos desigual, escravocrata e segregacionista. Para os que também não sabem, ele era advogado e sua atuação majoritária foi em prol daqueles que não poderiam pagar pelos seus serviços: o trabalhador.
Além de um legado, construiu laços que permanecem vivos até hoje: de afeto, de sangue e, principalmente, de valores. Não poderia celebrar duas datas comemorativas de forma melhor.
Coincidência, não ?
Pois bem. Recomendo a vocês que descubram as obras de Euclides. E, caso se interessem por sua história, que vejam o filme-documentário da Audiovisual. Eu, deliberadamente, por razões de ordem lógica, fico impedida de deliberar sobre assunto, (risos).
No mais, fico por aqui. Tempos de pandemia me deixaram um pouco mais emotiva.
Cheiro n’ocês.