O ato mais feminista é renunciar à procriação?
Por Luiza T. Bussius, de Ipiaú, BA
Algumas amigas levantam a questão de ter ou não filhos. Esse parece ser um dilema frequente na vida das mulheres modernas. Cada vez mais inseridas e potentes no mercado de trabalho, ocupamos novos lugares e posições na sociedade atual.
Fato é: temos menos filhos e às vezes nem queremos ter.
Antes dedicadas à criação dos rebentos, organização e limpeza da casa, o preparo, ao menos três vezes ao dia, do alimento. A família tinha e ainda tem seu pilar na figura e no trabalho da mulher dentro de casa.
O que me deixa com a pulga atrás da orelha numa sociedade majoritariamente patriarcal, na qual a figura do homem é a de maior destaque, centralizador das decisões políticas e econômicas.
Vai entender como chegamos a isso. Foi uma bela narrativa que nos contaram noite após noite. Sabe aquele papo de princesa, festa de 15 anos e nada de masturbação?
O trabalho masculino sempre foi mais enaltecido. Guerras, caça, gerador de riquezas materiais, poder falocêntrico.
Já o da casa passou e passa mais desapercebido.
A mulher compra, em alguns casos ainda planta o alimento, limpa as crias, higieniza o que deve ser limpo e assim, trabalhando fora ou não, exerce as cruciais tarefas de gerir um lar. Roupas devem ser lavadas, estendidas, dobradas e guardadas nos armários. Pratos, panelas e talheres necessitam limpeza e novamente de volta para seus lugares de origem. Aquela rotina quase que minimalista. O pó deve sair dos móveis, o chão varrido, os banheiros limpos, os brinquedos organizados, as plantas aguadas, o cocô dos cachorros recolhido. Um lar caótico certamente será entendido como falta de presença feminina, como já escutei por ai.
Crianças devem ter as unhas cortadas, cabelos penteados, dentes escovados, ingerir uma variedade de alimentos nutritivos, serem cuidadas e amadas.
Diversos manuais foram produzidos numa história recente para nos “formar” nessa hercúlea tarefa de gerir uma casa/família. Atingindo as tais habilidades estaríamos prontas pra casar! O sonho de toda mulher!
Servir bem a nossos maridos e filhos. Todos satisfeitos e de barriga cheia para um novo raiar de dia. Roupas limpas, lençóis esticados e o sorriso no rosto.
Mas.... parece que os tempos estão mudando. E os homens perdidos, zangados, ou revoltosos lentamente passam a ver esse trabalho, que arduamente vai ficando evidente, tamanho sua serventia na qualidade de vida dos humanos.
Quem nunca presenciou um homem procurando algo perdido, uma pia entupida de pratos sujos, a geladeira cheia de comidas velhas, uma pilha de roupa no chão? Sejamos justas, as mulheres também podem ser bem desorganizadas. Mas parece que desde pequeninas nos ensinam a manter alguns itens em ordem, zelar pela higiene, contribuir na produção de comida e na limpeza da cozinha e das roupas.
Alguns dizem que temos uma predisposição a esse cuidar/maternar. Somos mais delicadas, mais gentis, mais cuidadosas, amorosas. Mas se damos muita ordem é por que somos mandonas. E como dar conta da demanda de tarefas?
Eis que surge a terceirização do trabalho doméstico. A mulher moderna vai pra rua e volta cansada. Não cumpre mais com sua função exclusiva de gestora do lar. Terceirizamos o serviço. Uma outra mulher que também foi educada nesses moldes, mas em sua grande maioria, não estudou o suficiente para ter outro tipo de trabalho passa a desenvolver essa função.
Assim podemos, nós privilegiadas, trabalhar fora, estudar, combater o machismo e escrever textos como esse. Há um grande abismo entre as mulheres que podem terceirizar os serviços domésticos e as que não podem. Uma breve análise social nos permite chegar nessa conclusão rapidamente.
Pense ai. Alguém já teve um diarista homem faxinando a casa? Eu não.
Antes a mulher não podia nem estudar. Mas os tempos mudaram. Mesmo assim algumas ainda não estudam. Ou param de estudar.
Para onde vamos nesse esmiuçar da esfera doméstica e dos trabalhos ai envolvidos?
Não muito longe. Apenas passando para dizer à sociedade, especialmente aos nossos queridos homens, que ainda se mantém estancados nesse lugar de passividade frente o mundo doméstico que os cerca: Se liga! Acorde!
Nossas talvez imperceptíveis tarefas são de uma essencialidade fora do sério. Caso contrário estarão fadados aos conflitos com suas parceiras e a alienação de um novo mundo que vem se construindo e revelando.
A mulher é outra. Os tempos são outros.
E para concluir: ter ou não ter filhos? Depende, quem vai ensinar a lavar os pratos?