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Espaço de reflexão Hermógenes de Castro e Mello

A pedir algo...

Nasci, cresci e moro aqui há seis décadas. Filho de imigrantes, certamente em algumas ocasiões bullyizado por isso, a me acusarem ser quem era "comedor de queijo com barata".

Mas nada que fosse motivo de divã, esses foram outros...

De qualquer forma como primeira geração aqui cresceu dessa leva pós-guerra, pude nesses anos mais maduros me inteirar da relação estranha a reger nosso cotidiano.

Somos por aqui, ajustada alguma cronologia, todos descendentes de imigrantes livres ou forçados. Até nossos índios, segundo os antropólogos, vieram marchando desde a Ásia, a se estabelecerem por aqui, cerca de 15.000 anos atrás.

E com isso somos ao lado de todas as nações do continente americano, de Norte a Sul, aqueles que não tem língua própria, trajam-se como os de além-mar, até hoje. Nosso esporte maior e quase todos os outros são europeus. Nossas religiões são do Oriente Médio com lapidação na Península Itálica ou Alemanha.

Nosso maior contingente étnico é de tribos africanas, escravizadas e aqui maltratadas, com suas crenças adaptadas mas essencialmente do outro grande continente.

Porém algo maior nos une nessa América Latina, especificamente. Algo que é nosso, único e nos marca como nova civilização.

Somos todos grandes solicitadores.

Pedimos, sempre, algo. Do miserável no farol ao presidente da república.

Até onde não é necessário, queremos algo.

Nos outros continentes ocorre, mas em menor escala.

E temos uma argumentação terrível, profundamente mística e religiosa para tal se negarmos: Deus (ou Alá) está vendo! Deus castiga! Se não fizer eu (ou você) estarei desgraçado, marcado, sujo, infame, desmerecido e desprezado.

Por aqui penso castiga-se moral e sentimentalmente até muito mais quem se negar a atender os pedidos todos.

Se caminhar por uma feira livre na minha cidade, será interpelado em pelo menos dez ocasiões a ajudar, a dar algo, a ser generoso e bondoso.

Em filas de embarque nos aeroportos surgirá alguém da associação dos veteranos do boxe para uma contribuição. No interior da Bahia seguramente duas ou três vezes por semana alguém, na rua ou a ser atendido no portão, pedirá valores para uma passagem à cidade próxima, a salvar algum doente.

No avião que se troque de assento.

Na fila do táxi que ceda a vez.

No consultório alguém pedirá passar à frente por ser coisinha rápida, doutor-já-sabe.

Da picape para uma mudançazinha, do quarto para um filho que ficará apenas alguns dias para um vestibular.

Da churrasqueira.

Daquele livro de receitas... e assim segue.

É o que nos faz latino-americanos.

Pedir.

Somos assim.

Sempre alguém a solicitar algo...

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