Coringa & Bozo
Por Dr. Odorico Leal, de Picos, PI.
O Coringa trata de uma figura de infância traumática, que cresce com a cabeça cheia de caraminholas e, espancado pela vida, vira psicopata niilista.
Nesse empoderamento psicopático, o personagem, à revelia das próprias intenções, acaba recolhido pelo turbilhão de injustiça social da Gotham ao seu redor como uma espécie de símbolo da perversidade louca da sociedade capitalista.
O filme é tão maniqueísta quanto Bacurau - maniqueísmo que não fica barato porque encarna no pai do Batman, Thomas Wayne, que surge como um ricaço canalha de arrogância magnânima.
A dobra do filme reside aí, nessa coincidência entre a falência mental do protagonista e a falência moral da sociedade que transforma Arthur Fleck - involuntariamente - numa figura heroica (aparentemente à esquerda, já que "do lado" dos despossuídos).
Parece ideia fixa, mas você acaba pensando no Bozo, outro doente mental que, colhido por uma revoada de patologias sociais, acaba alçado à condição de mito - também às gargalhadas e em boa parte para surpresa até dele.
O caso é que o Coringa é uma composição carismática de um ator genial - que rege orquestras imaginárias com lindos movimentos de Tai Chi -, ao passo que Bozo é uma figura de movimentos rijos e risada monotônica, mescla impecável de robô e idiota intragável.
A dinâmica de ascensão cega se assemelha, mas cada povo tem o palhaço que merece...