Hermó

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro & Mello

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Artigo nº 16 - 18/11/2022

Frustração et gadus morhua

Alguns momentos em nós homens e mulheres são ligados à decepção. À derrota. À perda. Não há ser entre os aqui viventes não tenha passado por isto, em algum ponto de sua vida. Seja longa ou curta. Faz parte e é necessário ter-los, estes sentimentos.

Geram o sabor da derrota, outros de dor. Muitos deprimem por instantes, horas ou dias. Há quem jamais se recupera. Mentalmente, fisicamente.

Tempos atrás, em uma destas revistas cheias de rostos típicas de consultórios médicos, havia estampada imagem grotesca: fuzileiro naval gringo, em pleno gala ao lado de colegas, amigas e esposas; foto de seu casamento. A noiva linda, seus uniformes esplêndidos (dizem mulheres adorarem homens assim vestidos... chavão clássico), mas detalhe me levou a discreto soluço involuntário, de alguma dor pelo outro: o noivo ao invés de rosto, destes meio avermelhados e cabelos curtos dos moleques mercenários gringos, tinha em seu lugar massa de pele queimada disforme, com solitário olho, três furos talvez onde fossem boca e narinas, sem orelhas ou pelos.

Havia sobrevivido ao incêndio de seu jipe, ateado por algum raivoso iraquiano, frustrado com os destinos de seu país. Imagino a também frustração do soldado que, voluntariamente, foi ao inferno armado por Bush com seu bando e voltou queimado. Literalmente e para sempre.

Mas aparentemente vencida a questão pela perda. Tanto o coitado forragem para canhões, quanto a noiva.

E por aí vai, seja prova perdida, namorada a nos mandar passear, a demissão, trabalho não elogiado, a constatação de questão física impeditiva, o filho péssimo aluno ou com retardos.

Passei por isto menino, moleque e adulto. Ainda passo, mas com certa leveza, espero. As frustrações fazem parte do nosso complexo de estímulos. As temos para enfrentar o cotidiano, com alguma disposição a mais, encarado o fato. Se a cada fato frustrante abandonamos o barco, não haveria a progressão. É mecanismo instintivo combater.

Quando meu pai faleceu e jovenzinho percebi os valores por ele citados, ensinados, de probidade, honra e respeito, em muitos casos eram tidos como balelas ou instrumentos de chantagem, veio-me certa tristeza e desalento.

A mãe, experiente, pelos anos difíceis passados, sedou-me a aflitiva questão, explicando e incutindo minha hoje repetitiva afirmação: somos assim. Temos e devemos conviver com a frustração, porém observando ser estímulo para combater e seguir em frente.

Exemplo belíssimo, cito de cabeça, como narrado por amigo: seu filho, cineasta e documentarista, faz entrevista com o maior arquiteto do país, homem de 100 anos. Lúcido. Terminado o ato, percebem nada haviam gravado pela câmara, alguma questão tecnológica impediu. Receosos que o ancião não repetiria tudo por cansaço, ante a frustração e o instintivo combate, explicaram o caso e perguntaram se faria de novo. O velhinho olhou para os jovens, percebeu a ansiedade e detonou:

“Tem aí um cigarrinho? Eu fumo e depois fazemos tudo de novo”. Fim da frustração, o trabalho provavelmente melhor até que o primeiro perdido.

Porém há frustrações não passíveis de combate; ou eliminação. De arrasar, a demorar meses para a recuperação.

Como a que passei hoje: pedi “Bacalhau que nunca chega”, prato formoso da terra lusitana, a apoteose da culinária com este peixe. A moça que tal faz lá em casa, tem o que se chama de dom. Fui almoçar, seco de vontades. Após a salada, divina, colocou o troço à minha frente, avisando a “patroa” não viria.

De repente o fone, esta desgraça universal inventada pelo desqualificado G.Bell, que no inferno deveria engolir todos os aparelhos que produziu, iniciando com aqueles altos, pretos e de gancho. A informar estar vindo de última hora, com duas amigas, aquela que ilumina o caminho da minha vida com facho forte.

Olhei a menos farta quantidade do bacalhote desfiado imaginando-o para tantos, as batatas "doiradas", o casco com o azeite a derramar, puro e virgem, o arroz... e o desalento que se instalaria nas convivas pelas então diminutas porções oferecidas e, engolindo vazios, pedi à moça guardasse para as visitas. Isto sim é frustração: sair com salada no bucho e deixar o bacalhau para os convivas.

Mas recuperar-me-ei, afinal: somos assim, repetindo.

Frustração...

Bacalhau que nunca chega. Dizem ter o nome pela quantidade desenfreada que comia disto o último rei de Portugal.

Comentários

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hermogenes - 29/10/2007 (11:10)

Dulce já incluida. Sempre bom tê-los conosco, um privilégio. H.

Nelson Barbieri Filho - 29/10/2007 (11:10)

Viva o almoço. Muita alegria. Favor incluir a Dulce no Hermo dulcebahia@gmail.com