Hermó

Espaço de reflexão Hermógenes de Castro & Mello

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Artigo nº 1 - 18/11/2022

Violência, violência...

Verifiquei que tínhamos em casa o tal "Das Unbehagen in der Kultur" o "Mal-estar da Civilização", do até divertido (não conhecia as linhas mais leves do homem) S. Freud. Talvez o nome, Freud = alegria, aqui em conjectura inútil.

Fui aos capítulos que falam de violência e correlatos; e deliciei-me com o escrito. Somente a nefasta influência dos nazi-nacionalistas noruegueses e a teutofilia (seus grandes clientes de dinamite) de Alfred Nobel a impedir o prêmio de literatura (ou medicina) ao homem.

Até pelo volume de textos produzidos. O muito menos arrojado e, convenhamos, bem pouco divertido, Winston Churchill levou o troço mais tarde, talvez imerecidamente. Faz tempo, a História fará seus acertos, quem sabe? E não era ele especialmente interessado em prêmios...

A violência, como surge, pela análise das questões da alma; pela psicanálise, se entendi corretamente, era o pressuposto.

Em uma leitura de leigo*, como a faço por desconhecer a técnica psicanalítica, me surge a proposta científica, se assim pode-se chamar, de S. Freud, à maneira de Newton, Einstein ou Lavoisier. Ele procura uma certa exatidão na avaliação, do que se passa em nós; e como nos experimentos científicos, pesadas as variantes, determinar que, em média, "talvez seja assim".

Estuda variáveis** , sugere incógnita a reger o processo*** e fala de outros componentes, que são os pontos de observação dos fenômenos do comportamento psíquico humano.

Tudo o qual, parece (a considerar minha leitura nada conhecedora), se ordena pela questão do relacionamento. O cerne da nossa existência e do que dela fazemos, ou somos levados a fazer, decorre das relações que temos, com iguais, outros seres, objetos e nosso ambiente. Inicia a relação no momento da concepção, surgimos como ser e estamos expostos a partir deste primeiro instante a todas as suas matizes e formas possíveis. E pelo melhor caminho da sobrevivência e àquilo que chamamos paz, criamos ou desejamos moldes de relação que nos satisfaçam, mesmo que distintamente entre nós, em algumas versões, a observar-se forma, digamos, pouco convencional ou doentia.

O objetivo instintivo, nossa "moção primária", é mantermos, os que se chamam seres saudáveis, a vida , as formas para procriarmos, produzirmos, a manter as crias e a nós. Porque o fazemos não sabemos, mas não é o alvo, me parece, da psicanálise verificar esta questão; aparentemente é propor-se a restaurar o objetivo, onde tenha se perdido.

Dentro do objetivo instintivo, há a defesa, em decorrência da ameaça de interrupção ou modificação das relações. Se ameaçam à vida, às crias ou à propriedade que a todos mantém, haverá reação. Decorre daí alguma violência. E fortemente observável naquilo que Freud chama de "Verwandte in der Tierwelt" na cadeia biológica no planeta, os "parentes animais", de onde podemos tirar alguns "adiantamentos" das nossas moções instintivas.

Porém me parece no ser humano, em constante desenvolvimento até a consolidação do que chamar-se-ia sociedade pacífica (pensa-se aqui no Japão, na Suécia, no Canadá e até na Argentina), a questão ser um tanto mais dinâmica e daí ocorre a ação violenta brutal, sem aparente razão: o aniquilamento do que ameaça, até sem determinar com precisão a natureza da ameaça.

O ser a ameaçar nossa primeira relação é o pai, imaginando-o competindo, com alguma violência, pela mãe****. O então minguado foco da nossa violência dirige-se contra este, dentro das moções primárias. É o mostrar da língua, ou esconder o rostinho e afastar o pai com os pezinhos, do bebê observado no mamar pelo pai. Resolvida esta questão, ao verificarem os pequenos com o tempo que o pai não é real ameaça, a nova relação ameaçadora (de que aparentemente necessitamos para manter nossas moções instintivas em dia) passa a ser regida pela sociedade civilizada, a Kultur, como escreve S. Freud*****.

O sempre violento, este de fato, "estado-pai", até com personificações banais como reis e presidentes poderosos.

Falo disso porque meu pai em 1940 , crescendo sem genitor presente, faltando a devida naturalidade nesta relação em parte suprida por avô e mãe, avidamente "adota" o estado alemão como este vínculo instintivo, sendo "filho" obediente, violento, lutando pelos objetivos da causa alemã, (mesmo ele filho "deficiente", por meio-judeu). Sua família: o estado, seus irmãos os co-combatentes. Destruído este "pai", procura em nação distante certo alento, onde enfim cria a própria família, o que atenua este sofrimento e a ele, e todos outros, permite assumirem o papel de pais.

Os credos religiosos endossam parte da relação, onde acima, ou com o estado, coloca-se um deus ou deuses, a personificação máxima que podemos dar ao violento instituto "pai". A chamar-se de "pai, todo poderoso". Onde curiosamente em devoção extrema ao imaginado ser, reduz-se a nada o ímpeto violento, criando-se castas de monges, freiras e padres, alguns a abdicarem até da nominada protoviolência, a sexual. Pacíficos adoradores de um pai a reger seus destinos. E também pais societários; padres , pastores. Ou violentíssimos, até contra si mesmos, a exigiram adoração absoluta ao pai, basta ver a motivação dos islâmicos radicais, a suprimir a moção instintiva da sobrevivência ao explodirem-se por inúteis causas religiosas.

Instancia-se nas nações em desenvolvimento o deficiente pai-estado ( não o eficiente malévolo Vater Staat) faltante, capenga, ladrão, incompetente. Conjunção do desordenamento político, falcatruas, roubalheiras e incoerências nos objetivos. A relação, mormente dos jovens, é ameaçada, deseja reestabelecida a relação pai-estado-filhos. Não sendo mais possível por esta via a procura do progresso, procriação e aconchego pacífico no berço do lar. E o estado faltante, o desordenamento, o leva à reação. Com isto abriga-se em relacionamentos alternativos ou o fim deles, quiçá a bandidagem, a imigração ou o suicídio. Violento, enfim.

Em suma: precisamos de um pai para sermos pais. Quando esta relação é ameaçada, rapidamente nos movimentamos na micro e na macro-escala para reestabelecê-la, até com brutalidade, mesmo contra o inocente. Procuramos pais e queremos ser pais, mudamos de atitudes e até de país para sermos filhos e pais (interessante em Português a denominação da região "país" e o coletivo de "pai" , "pais"..., Vaterland, em alemão, terra-pai ou pai-terra, terra pátria, a conferir).

Hoje compreendo porque pobres quechuas latino-americanos, imigrados para os Estados Unidos, choram nas cerimônias onde lhes é permitido naturalizar-se gringos, sob a égide do Grande Pai Branco, como diziam os quase exterminados nativos de lá. Entendo o suicídio do trabalhador japonês despedido, brutalizado no corte da relação com o pai-empresa, vitimado até como o pai de fato, o doméstico, então sem o indispensável emprego. A violência ordenada pelo pai-barão de drogas, nas encostas de Medellin e no Rio. O jovem a matar-se por isto, ordenado por pai alternativo. O trabalhador chorar ao gerente em casos extremos, como a demissão, apelando ao seu espírito paternal ou ameaçando-o de morte, se não atendido.

Indaga-se portanto, nesta verificação alheia a formalismos, a violência ou moção instintiva da violência ser intrínseca ao homem e talvez detonada com grande rapidez e frequência, quando a relação a qual se submete, como ser vivente, é modificada brusca ou constantemente. Relações estas todas regidas pelo simbolismo pai-filhos (independetemente se são homens ou mulheres), que em humanos controla-se sem interferência consciente em cada um de nós, por aquilo S. Freud tão apropriadamente denomina "acima do eu". O supereu ou superego, como dizem os psicólogos.

Quanto mais violento o indivíduo, maiores modificações houve em suas relações a moldar, suas moções, os Triebe; reais, imaginadas ou desejadas. Abandono, desprezo, descaso, fome, apertos, movimentação indevida, desabrigo, talento, super-exposição e, claro, a própria violência.

Somos assim.


* Pretensioso...

** Os "Triebe", por mais que tentei não vejo como pulsão, nem impulso, nem ação, nem acionamento, talvez algo como moção instintiva.

*** O "Über-Ich", quase intraduzível, me parece , pois sendo têrmo recente até na língua do autor, não foi permitido em Português ainda adequá-lo. Quem sabe algo como "acima do eu", na simplicidade de Freud, sem sofisticações? Supereu e superego nos remete à super-heróis...

**** "Por que ele está apertando a mamãe, cobrindo a boca dela com a dele e afastando-a de mim, minha fonte de alimento e calor?"

*****. Não confundir com Cultura, há nuâncias na nossa língua que não são possíveis em alemão.

Sigmund Freud... este entendia.

Comentários

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Antonio Da Silva - 09/10/2007 (18:10)

Quanta bosta, não é?